sábado, 23 de agosto de 2014

Literatura: Amizades em tempo de internet

(Homenagem aos amigos inesquecíveis)
 
 
Há os que nos encantam e nos enchem o saco,
com quem a gente discute, deixa furos, fala palavrão,
vai a festas, missas, centros espíritas, churrascos, chopes, bate-papos.
Faz vaquinha e divide sonhos.
Aporrinhados, mandamo-nos pruns lugares feios
- pra onde não vamos, ficando por perto mesmo para
cutucar, curtir e comentar nossos posts sem graça
e esperar o próximo encontro...

Há os que não: são sempre sóbrios, educados, simpáticos,
sabichões, bem-sucedidos: nada errado, apenas formais.
Há promessas de reencontros,
de churrrasquinhos, cineminha, chopinhos e o escambau,
e mensagens nas datas especiais.
Estes são lembrados pelo sistema;
aqueles, nem isso ajuda...

Os primeiros, enxeridos, falam mal das nossas roupas,
contam piadas sem graça, reclamam da cerveja quente
e da marca dos sucos naturais e dos guaranás;
sem cerimônia, dizem que estamos fora de forma,
que precisamos caminhar, que o nosso time é uma porcaria.
Não curtem os nossos livros e discos,
não sabem dos nossos gostos, mas conhecem os desgostos
e não têm vergonha de dizer na bucha,
com a cara mais lavada do mundo, que
não têm a mínima ideia
de quem ganhou o Nobel de Literatura.
"- Nobel? Quê isso?”
Escrevem vc, kd, naum...
 
Os outros, não: elogiam-nos a silhueta amorfa,
sugerem-nos vinhos das melhores cepas e safras,
perguntam-nos como vai a vida, o que temos feito dela,
que fim levou fulano e beltrano... E a saúde, como vai?
Falam de Drummond, Nietzsche, Virginia Woolf, Fernando Pessoa:
são capazes de citar poemas inéditos.
Não gostam de Bergman – sua obra é densa e hermética –
e se lembram de coisas
de que já me havia esquecido.

Os abraços de uns quase nos sufocam,
os apertos de mão quase nos invalidam,
e a presença não deixa espaços vazios.
Não há sorrisos, mas gargalhadas.
Os dos outros, são leves, limpos, cheirosos.
Os apertos de mãos são clássicos, impecáveis,
e a presença, raramente casual, são agendadas com rigor,
com ares de corte.
Tudo é mais comedido...
 
 Uns preenchem os vazios da vida,
os outros fazem-nos falta e,
nas respectivas singularidades,
são-nos plurais e únicos...
– Prazer conhecê-los.
 
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Crédito das imagens