quarta-feira, 9 de julho de 2014

Literatura: Álbum de família

Imagem e texto (Análise de imagem) postados no Facebook por Lívia Rezende, minha filha predileta, na madrugada do dia 13/8/2012 (segunda-feira) em homenagem ao Dia dos Pais. Na época, ambos éramos bem mais jovens! Na foto, tirada pela mãe na Quinta da Boa Vista (RJ), ela estava com 8 aninhos...
Não tem preço.
 
Lívia e Paulo Rezende

Nós dois.
Caminhando, paralelamente, pelo mesmo caminho.
Tratamos o trajeto com cortesia; as mãos entrelaçadas são sinal de tranquilidade.
Para trás, nos voltamos com um sorriso. Gentis com o passado, como deve ser quem tem a consciência tranquila. 
Os pés mantém a caminhada.
O lado para o qual nos viramos é o mesmo; o ângulo do que vemos é parecido – apesar de, claro, minha visão de mundo estar muito abaixo do seu horizonte
(até hoje e pra sempre, por sinal!).
A seguir, uma bifurcação e duas certezas: um caminho será escolhido e eu permanecerei ao seu lado, porque a nossa vida é isso.
____________________

Te amo tanto, pai, tanto, que estou até agora tentando me importar por não ter te dado um presente ontem (é, já passou da meia noite). Ele vai chegar, ainda que não nos preocupemos.
O que eu tenho de real pra te dar, todos os dias, é isto: o meu sentimento registrado e a constante agonia por não existir loja no mundo que venda o que sei você precisa.
Te amo MUITO!"

 

terça-feira, 1 de julho de 2014

Análise Literária - O eu poético

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Autopsicografia
(fragmento de texto, de Fernando Pessoa)


A literatura é uma obra aberta, não estando, portanto, sujeita aos limites denotativos impostos por um texto não literário. As palavras e expressões assumem sentidos diferentes dos contidos nos dicionários, a ausência de pontuação – impropriedade do ponto de vista gramatical! –, nela constitui licença poética, estabelecendo um estilo próprio dos poetas.

Enquanto num texto técnico, por exemplo, a repetição de palavras pode, em princípio, constituir impropriedade que deve ser evitada, na arte, configura-se qualidade pelo que de expressivo contém em si.

O eu poético

O texto a seguir, de autoria do amigo Rafael Massoto, é um exemplo interessante da arte de poetar. Observe que, através de algumas deixas, somos capazes de re/conhecer o perfil do “eu poético” (ou eu lírico): a faixa etária, os gostos, o ambiente e a época em que vive, se está alegre ou triste – o que, afinal, pretende dizer e como o faz. De forma alguma esse retrato deve ser confundido com o autor: enquanto este é de carne e osso, aquele não passa de um personagem de ficção cujo papel é contar uma história, recitar um poema. Não existe, portanto, no mundo real.

[Sem título]

Quando eu falar dela
sei que vão dizer não extrapole
Eu direi sei que segurar o recalque não é mole
Ela é o drible do Garrincha
ela entorta a sua vista
Se você se acha o
skate

ela é o skate e a pista
Se você se acha a lata
ela é a lata e o
graffiti


Mulher igual não existe
nem um anjo resiste
Mesmo que ninguém em mim acredite
Não terei medo de relatar o que ela é
Ela é aquela que na praia cala as ondas
É a música inédita que você mal ouve se apaixona
É aquele pensamento bom que vem antes do sono
É a tal liberdade de que todo mundo que ser dono
Ela é o beijo que a minha boca mais deseja
E você a vê
mesmo que a distância impeça que a veja
Por fim só ela existir
ela acaba com todo meu abandono.


Análise Literária*
Exercício

Logo de cara, podemos depreender que o “eu poético” é um jovem apaixonado – ou uma apaixonada!, quem sabe – do tipo exagerado, cego de amor. Mais tarde, descobriremos que, no fundo, é um solitário.

As pessoas com as quais enaltece com bastante veemência as qualidades da amada parecem não mais acreditar nos elogios que faz: são repetitivos e exagerados, mas isso não o preocupa nem o esmorece. Atribui a rejeição à inveja incontrolável dos amigos.

“Quando eu falar dela
sei que vão dizer não extrapole
Eu direi sei que segurar o recalque não é mole”


É interessante notar que o eu lírico, ao não dispor de palavras adequadas para expressar os sentimentos ou por preferir ilustrar a sua admiração de tal forma que não haja dúvidas quanto à beleza decantada, recorre estrategicamente à metonímia - figura de linguagem que consiste no emprego de um termo no lugar do outro pela afinidade ou semelhança de sentido. Constrói imagens possivelmente familiares às pessoas que integram o grupo do qual faz parte – apaixonados por futebol e por skatistas, grafiteiros e outros jovens artistas. No íntimo, deve pensar que "somente assim poderão me entender...”.

“Ela é o drible do Garrincha
ela entorta a sua vista
Se você se acha o
skate

ela é o skate e a pista
Se você se acha a lata
ela é a lata e o
graffiti
 
 
 
A amada é imprevisível ("drible que entorta"), mas o completa ("skate e pista") por ser completa em si mesma ("lata e graffiti"). Na sensualidade, não é humana: é divina, sagrada e única, capaz de fazer perder a cabeça até os mais puros dos seres imortais.

“Mulher igual não existe
nem um anjo resiste”


Os amigos são-lhe importantes e não deseja perdê-los. Entretanto, está decidido: se tiver que correr riscos para não se afastar da musa que o inspira e dá sentido à vida, não terá dúvidas sobre o que fazer. Observe que "ela" é mais do que qualquer representação: "ela" é, no sentido de ser integral.

“Mesmo que ninguém em mim acredite
Não terei medo de relatar o que ela é”


Primeiro, reverencia a forte presença da mulher que, de tão impetuosa, chama para si toda a atenção e pode facilmente ser identificada e reconhecida entre mil... "Ela é aquela..."!

“Ela é aquela que na praia cala as ondas”
 
 
 
Depois, ressalta a beleza, a harmonia, a tonalidade, a sonoridade, os passos e os compassos marcantes que envolvem quem a observa desde a primeira impressão...

“É a música inédita que você mal ouve e se apaixona”

É o ser angelical, mais do que a mulher, que o acalma e o relaxa, preparando-o para o sonho e o despertar de um novo dia:

“É aquele pensamento bom que vem antes do sono”

Deslumbrado ante à beleza da amada, descobre-se no paradoxo de desejar possuí-la para não correr o risco de perdê-la - ao tempo em que sabe ser essencial deixá-la se sentir livre - não ser!, desta vez - para continuar desejada:

“É a tal liberdade que todo mundo que ser dono” 


 
 
 
E, então, advém o desejo de tocar e de ser tocado; não sabe o que pensar – não quer pensar, e não pensa! Dissimula a sua intenção: não é a sua alma que deseja a mulher, mas a sua boca, a parte sensual que completa e efervesce as carícias. E em sendo ela o próprio beijo, serão um só, indissolúveis...

“Ela é o beijo que a minha boca mais deseja”

Se não bastasse a estonteante presença, sabe que vive com a mesma intensidade e força na lembrança, tornando-se inesquecível e eterna.

“E você a vê
mesmo que a distância impeça que a veja”


Finalmente, absorto, exausto ("por fim"), fazendo uso de uma linguagem tímida, emocionada, entrecortada e quase infantil (repetição do pronome "ela"), confessa a razão de tanto amor e adoração. É o único trecho em que há sinal de pontuação - no caso, um ponto final, como se não precisasse dizer mais nada.

“Por fim só ela existir
ela acaba com todo meu abandono."


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(*) Esclarecimento importante: os comentários acima não constituem, em nenhuma hipótese, a única possibilidade de se tentar analisar literariamente um texto poético; antes, são pontos de vista, resultados da minha visão de mundo, do momento em que os escrevi, dos sentidos e sentimentos que pude perceber. É possível enxergar outros aspectos e, claro, pintar com outras cores e nuanças a mensagem contida no texto. Se o autor vai concordar, aí é outra história!
Assim é a arte! – e é bom que assim seja...